Ancestralidade e o círculo de mulheres
- Negras Evangélicas
- 28 de nov. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 15 de mai. de 2023

Esse texto pretende apresentar minha experiência e percepção sobre Ubuntu a partir da minha trajetória pessoal e da minha participação na comunidade de mulheres negras evangélicas no Brasil.
Eu sou Vanessa Barboza, tenho 32 anos, nasci na cidade de Recife (no estado de Pernambuco, na região nordeste do Brasil), sou mulher negra (afro indígena), de origem popular e família com escassos recursos materiais, e estou migrante em meu país, pois atualmente estou morando na cidade de São Paulo por motivos de oportunidade de trabalho. Eu fui uma das primeiras mulheres da minha família extensa a entrar na universidade pública. Hoje, minha profissão é de Assistente Social, seguida de uma pós-graduação em Assistência Social e também do mestrado em Educação, Culturas e Identidades.
Desde minha infância estudei em escola pública e minha família foi beneficiária de programas de transferência de renda promovidas por política públicas. Foi durante a minha infância que tive minhas primeiras experiências religiosas, quando minha família participava dos cultos das religiões de matrizes africanas-indígenas e cristãs católicas. Nesse contexto, confessei a Jesus como meu salvador em uma comunidade protestante pentecostal quando tinha 11 anos de idade. E, a partir dos 16 anos, comecei a servir em diaconia na ação social na igreja. Aos 17 anos fiz um curso básico de teologia mas nunca dei sequência formal aos estudos teológicos, entretanto, escolhi minha profissão muito alinhada a essa experiência de serviço comunitário.

Após formada profissionalmente, me envolvi com o ministério de assistência social às mulheres desde o ano de 2013 e, entre 2016 e 2019 atuei como assessora do projeto Escola de Fé e Política Pastor Martin Luther King na minha cidade natal, na Igreja Batista em Coqueiral (IBC) onde lecionei sobre participação social, direitos sociais, democracia e advocacy para a formação de lideranças da igreja e da comunidade como um todo. Os caminhos da fé e do serviço comunitário, e também minhas experiências de mulher negra pobre me levaram a um engajamento social em que minha fé fosse expressa na luta pela dignidade de todas as pessoas. Atualmente sou facilitadora e articuladora na promoção da justiça de gênero e equidade racial para a população negra brasileira no protestantismo brasileiro, desenvolvendo atividades de liderança na Rede de Mulheres Negras Evangélicas do Brasil.
Como frutos iniciais dessa caminhada, em 2019 eu fui premiada com a participação no Programa de Aceleração Feminina Negra Marielle Franco, da ONG Fundo Baobá para a equidade racial com o incentivo de organizações internacionais como a Ford Foundation e a OpenSocity. Eu fui uma das 60 lideranças em âmbito nacional a receber o prêmio e por reconhecimento ao meu trabalho junto a defesa de direitos humanos das pessoas negras no campo evangélico. Além disso, a partir deste ano, estou participando do Programa Indivíduos Inspirados, que é um fellhowship direcionado a lideranças cristãs envolvidas com trabalhos humanitários relevantes.
E eu tenho certeza que essas conquistas sociais são parte de um legado coletivo e feminino de resistência, resiliência e amor que me atravessam como ser no mundo e mulher africana na diáspora. Bem nisso que me faz recordar da primeira vez que eu conheci o conceito de Ubuntu foi através de minha professora universitária que também é uma mulher negra e cristã, a doutora Valdenice Raimundo. Ela foi facilitadora de um curso de curta duração em um evento que eu organizei para mulheres evangélicas e feministas em 2016, o seminário chamado “Discurso Religioso e Violência contra a Mulher”. Valdenice nos apresentou o conceito de Ubuntu como um legado e construção ancestral. De lá para cá, eu tenho vivido um processo consciente e profundo de resgate de memória ancestral, através da escuta ativa das mais velhas, do auto conhecimento e reparação em auto amor, na minha missão junto à comunidade feminina negra brasileira que está engajada no compromisso da luta antirracista. Foi no círculo das mulheres negras, com as mais velhas e as mais novas, onde aprendi a reconhecer minha humanidade – furtada pelo sequestro transatlântico – e a humanidade de minhas irmãs e irmãos. Por isso, para mim, Ubuntu se relacionada a unidade da essência humana que há em cada pessoa e respeito à diversidade de quem somos, comunitariamente. Tenho buscado viver o Ubuntu na minha devoção diária entre minhas irmãs negras cristãs e não cristãs, pois nossa espiritualidade é transcendente.

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