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Violência Religiosa Contra as Mulheres Negras Nas Organizações Religiosas Protestantes

Atualizado: 12 de jun. de 2023

Examinem tudo, fiquem com o que é bom! (I Tessalonicenses, Capítulo 5, Versículo 21)

Como pode uma mesma organização religiosa protestante promover o “empoderamento” de mulheres negras e, ao mesmo tempo, colocar as mulheres negras em situação de violência religiosa?


Entende-se esse paradoxo voltando-se à História do Brasil que se subdivide em quatro períodos históricos: Brasil-Indígena (até 1500), Brasil-Colônia (1500 a 1822), Brasil-Império (1822 a 1889), Brasil-República (de 1889 aos dias atuais) e à história do protestantismo no Brasil, considerando-se o processo histórico pelo qual passou o cristianismo, por sua vez subdividindo-se em três ramos: 1º) catolicismo, 2º) ortodoxismo e 3º) protestantismo. Para Matos (2011):


no Brasil-Colônia, em 1557 chegou uma expedição trazendo um pequeno grupo de huguenotes que realizou o primeiro culto protestante da história do Brasil e das Américas. No Brasil-Império, a Igreja Metodista Episcopal foi a primeira denominação a iniciar atividades missionárias junto a brasileiros (1835-1841). No Brasil-República, a Igreja Congregacional (1913) foi a primeira denominação brasileira inteiramente nacional (não sujeita a nenhuma junta missionária internacional).

O protestantismo, ao longo do Brasil-República subdividiu-se em histórico, pentecostal e neopentecostal. No protestantismo histórico, foram fundadas as seguintes organizações religiosas protestantes: Igreja Congregacional, Igreja Cristã Evangélica no Brasil, Igreja Presbiteriana do Brasil, Igreja Presbiteriana Fundamentalista, Igreja Presbiteriana Independente, Igreja Presbiteriana Conservadora, Igreja Metodista, Igreja Batista, Igreja Luterana e Igreja Episcopal. As organizações religiosas do protestantismo pentecostal foram: Congregação Cristã no Brasil, Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular, Brasil Para Cristo e Deus é Amor. Até então, tanto as organizações religiosas do protestantismo histórico quanto as do protestantismo pentecostal eram presididas por missionários internacionais. O protestantismo neopentecostal foi formado entre as décadas de 1970 a 1990, principalmente pelas seguintes organizações religiosas presididas por brasileiros: Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Igreja Renascer em Cristo, Igreja Mundial do Poder de Deus, Igreja Ministério da Fé, Igreja Comunidade da Graça, Igreja Comunidade das Nações, Igreja Sara Nossa Terra; além de inúmeras organizações religiosas protestantes históricas, pentecostais e neopentecostais que surgiram em função da disputa por poder financeiro, político e religioso. De todas as organizações religiosas protestantes fundadas nos períodos histórico, pentecostal, neopentecostal do Brasil, a única que tem como referencial um homem negro foi a Igreja Mundial do Poder de Deus e, como referencial uma mulher branca foi a Igreja do Evangelho Quadrangular. Esta última foi fundada nos Estados Unidos da América (EUA) pela Evangelista Aimee Semple McPherson (1890-1944). As mulheres puderam exercer o chamado pastoral. Ainda assim, foi enviado para fundar a primeira Igreja do Evangelho Quadrangular no Brasil (1951) um homem branco, o Missionário Harold Williams.


Para a Teóloga Silva (2012-2017), percebe-se que tanto a história do país quanto a história do protestantismo no Brasil são machistas, misóginas, sexistas, discriminadoras, preconceituosas e racistas porque teve entre seus líderes religiosos, todos brancos, defensores, omissos e abolicionistas da escravização de africanas, africanos, africanes. De acordo com o Pesquisador Silva (2011), os defensores eram os que vieram do Sul dos EUA, ainda com ressentimentos da derrota na Guerra da Secessão para os que vieram do Norte dos EUA, pela libertação de africanas escravizadas, africanos escravizados, africanes escravizades. Os omissos eram os que defendiam a sua posição, “teologicamente”, afirmando que as organizações religiosas protestantes não deveriam “interferir” no Estado. Os abolicionistas eram os do Norte dos EUA, Europeus e alguns convertidos brasileiros.


A teologia do protestantismo missionário no Brasil foi satisfatoriamente adequada a um prudente distanciamento da Igreja em relação aos graves problemas enfrentados pela sociedade, entre eles, a escravidão negra. A preocupação voltou-se para a integração, a conversão, e a educação do negro para dentro da cultura protestante, e não para a sua simples emancipação. Em suma, o interesse esteve dirigido à regeneração moral, afirmando que a degeneração de costume era contrária às virtudes cristãs (BARBOSA, 2002, p. 189).


Nós, mulheres, temos vários marcos referenciais e marcos legais, nacionais e internacionais, que definem a violência contra a mulher, mas, neste artigo científico, vamos considerar a seguinte conceituação, conforme o artigo 1º da Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU), sobre a eliminação da violência contra a mulher:


O termo violência contra a mulher significa qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em sofrimento ou em danos físicos, sexuais ou psicológicos contra a mulher, incluindo ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária de liberdade, quer ocorram na esfera pública ou privada.

A pesquisa científica do Instituto DataFolha, de 13/01/2020, constatou que nós, mulheres negras, somos 59% (cinquenta e nove por cento) de membras, membros, membres nos protestantismos histórico, pentecostal e neopentecostal. Considerando-se que a expressão violência contra a mulher significa qualquer ato de violência de gênero, que quem ocupa os espaços de poder na maioria das organizações religiosas protestantes são homens, brancos, ricos e que o serviço realizado pelas mulheres negras se limita a tarefas conhecidas como de serviços gerais, ficando o ofício sacerdotal reservado aos homens, principalmente brancos; infere-se que as mulheres negras estão em situação de violência religiosa.


Os atos de violência de gênero que colocam a mulher negra em situação de violência religiosa está explícito quando verificamos que: mesmo sendo 59% nas organizações religiosas protestantes, tendo o chamado pastoral, tendo o Curso de Graduação e Pós-Graduação, fazendo os cursos de Formação de Obreiras, Obreiros, Obreires, Bacharel em Educação Religiosa e de Teologia em níveis Básico, Médio e Bacharel, a violência religiosa se manifesta da seguinte forma: a) ficam sentadas nas cadeiras e/ou bancos de seus templos religiosos; b) a proibição de participarem das assembleias ordinárias e extraordinárias e de se candidatarem a eleição aos cargos das diretorias de concílios, confederações, conferências, conselhos, convenções, federações e uniões de pastoras e pastores de organizações religiosas protestantes; c) impedidas de serem ordenadas aos mesmos títulos e indicadas aos mesmos cargos que os homens; d) impedidas de serem escaladas para ministrarem a Palavra da Ruah¹ em cultos públicos de domingo, conferências, congressos e seminários; e) controle do olhar, do gesto, do corpo, da roupa, do sapato, do cabelo e da fala; resultando em sofrimento ou em danos físicos, sexuais ou psicológicos contra a mulher negra.


Essas e muitas outras atitudes nos protestantismos histórico, pentecostal e neopentecostal, em conjunto, contra as mulheres negras, não só são atos de violência de gênero, mas, principalmente, de violência religiosa, se levarmos em consideração que os homens, brancos, ricos que ocupam os espaços de poder, agridem as mulheres negras em nome da Ruah. Essas agressões são deliberadas se considerarmos que justificam suas atitudes alegando que estão amparados na Bíblia. Na Bíblia, nos Primeiro e Segundo Testamentos, temos exemplo de mulheres que lutaram, resistiram e sobreviveram por seus direitos humanos. As filhas de Zelofeade (Nm. 27. 1-11)², Dorcas e as viúvas de Jope (At. 9. 36-43)³, criaram o Movimento Social de Mulheres no chão de seus territórios reivindicando, as primeiras, direitos iguais para as mulheres e, as segundas, lideradas por Dorcas, a única mulher em todo o Segundo Testamento a ser chamada de discípula, para transformar os valores das gregas, dos gregos, dos gregues e da igreja em Jope, costurando roupas para distribuir a filhas, filhos, filhes e as viúvas da cidade.


As mulheres negras em situação de violência religiosa enfrentam sofrimentos psicológicos, psiquiátricos, físicos e sexuais, tais como: a)psicológicos: culpa, estresse, síndrome do pânico; b) psiquiátricos: depressão, esquizofrenia, transtorno de ansiedade; c) físicos: fibromialgia, síndrome de Burnout, esgotamento religioso; d) sexuais: adultério, compulsão por sexo, fornicação, prostituição; vendendo o corpo em troca de ordenação de títulos, ocupação de cargos, eleição a cargos de diretoria e casamentos arranjados pelos homens, brancos e ricos que ocupam os espaços de poder nas organizações religiosas protestantes.


A ameaça, a coerção e/ou a privação de liberdade das atitudes que configuram violência religiosa contra a mulher negra nos protestantismos histórico, pentecostal e neopentecostal, acontecem de forma velada e a maioria delas não se percebem em situação de violência religiosa: a) não comentar, comentar refutando, criticar a publicação e/ou colocar emotions cômicos sempre que uma mulher negra posta sobre temas sociais nos grupos do Facebook, Instagram, Messenger, Twitter, WhatsApp, ou outras mídias sociais criados e administrados pela diretoria das organizações religiosas protestantes; b) levar para as ministrações do culto público de domingo os temas sociais das mensagens publicadas pelas mulheres negras, nos grupos das redes sociais, com o objetivo de minimizá-los e/ou desacreditá-los para que haja o cancelamento; c) interromper, desacreditar e impedir a fala em conferências, congressos, cultos, reuniões e seminários; d) aconselhar dirigentes e/ou presidentes de organizações religiosas protestantes a não convidar mulheres negras para ministrar a palavra da Ruah; e) retirar da ocupação dos espaços de poder as mulheres negras que ministram sobre machismo, misoginia, sexismo, violência contra a mulher, direitos da mulher, feminicídio, situação de negras, negros, negres, discriminação, preconceito, racismo, genocídio da juventude negra, situação dos cortiços, favelas e ocupações, história e cultura africana, afro-americana, afro-brasileira e homofobia; f) controlar os pedidos de intercessão, oração e clamor a Ruah minimizando e/ou impedindo os temas sociais; g) excluir as mulheres negras da Bíblia e temas sociais das ministrações, principalmente, dos cultos públicos de domingo.


Mulher negra protestante, é bíblica a luta, a resistência e a sobrevivência pelos seus direitos humanos, de acordo com as leis do país e de acordo com as leis da Ruah. A violência religiosa contra a mulher negra é pecado, segundo a Bíblia e é crime, conforme a Constituição da República Federativa do Brasil.


Referências

1 - RUAH “No princípio criou Deus o céu e a terra e a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.” (In Bíblia, Gênesis 1:1-2). Da expressão “Espírito de Deus”, a palavra “Espírito” é a tradução da palavra hebraica “רוח” (RUAH), que é feminina em sua origem, traduzida para a língua latina como palavra masculina. Isto resultou na universalidade da metáfora sobre Deus apenas no masculino. Lembremos que metáfora é uma forma aproximada ou comparativa para explicarmos sobre algo ou alguém. Se Deus é Espírito, sua identidade de gênero afirmada apenas no masculino resultou na universalização da metáfora sobre Deus como único modo de pensarmos sobre o Sagrado. Duas características da língua hebraica são necessárias para melhor compreendermos a importância do uso da palavra RUAH: a língua hebraica é composta somente por consoantes; na língua hebraica as palavras costumam imitar sons que simbolizam seu significado (onomatopeia). Portanto, ao dizermos RUAH, que é uma transliteração (substituição das letras hebraicas por letras latinas, neste caso, da palavra “רוח” para “RUAH”), pronunciamos seu significado “vento”, “sopro”, “fôlego”. (Fonte: Professora Doutora em Teologia, Lilian Conceição da Silva, Sacerdotisa da RUAH).

2 - Na Bíblia, em Nm. 27. 1-11, lemos que Zelofeade, da tribo de Manassés, tinha cinco filhas: Maalá, Noa, Hogla, Milca e Tirza. A iniciativa delas de se apresentarem diante de Moisés, Eleazar (o sumo sacerdote) e dos príncipes das 12 tribos; quando a terra ainda estava sendo dividida entre as tribos; é a 1ª instância de luta, resistência e sobrevivência sobre um apelo para direitos iguais para as mulheres.

3 - Na Bíblia, em At. 9. 36-43, fala sobre o Movimento Social de Mulheres liderado por Dorcas que teve início com uma ação individual ao observar que em Jope, onde ela morava; que era uma cidade situada na costa do Mar Mediterrâneo; muitos pais e maridos partiam em direção a águas perigosas e não mais voltavam do mar, deixando para trás órfãs e órfãos viúvas, enlutadas, enlutados, enlutades e desamparadas, desamparados, desamparades.


BARBOSA, José Carlos. Negro não entra na igreja espia da banda de fora. Piracicaba: UNIMEP, 2002.


BÍBLIA. Português. A Bíblia da Mulher. Tradução de João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada. São Paulo: Mundo Cristão e Sociedade Bíblica do Brasil. 2003. Leitura, Devocional e Estudo.


INSTITUTO DATAFOLHA. Cara típica do evangélico brasileiro é feminina e negra. Versão 13 de jan. 2020. Folha UOL. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/cara-tipica-do-evangelico-brasileiro-e-feminina-e-negra-aponta-datafolha.shtml


MATOS, Alderi Souza de. O Protestantismo no Brasil. Thirdmill.org, 2011-2023. Disponível em <https://thirdmill.org/portuguese/58714~11_1_01_10-18-11_AM~O_Protestantismo_no_Brasil.html>. Acesso em: 27 de mar. 2023.


ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em: 27 mar. 2023.


SILVA, Hernani Francisco da. O Movimento Negro Evangélico: Um mover do Espírito Santo. São Paulo: Negritude Cristã, 2011.


SILVA, Waldicéia de Moraes Teixeira da. Orientação Pedagógica Nº 1: Educação Física, Orientação Pedagógica Nº 2: Arte, Orientação Pedagógica Nº 3: Ensino Religioso. Distrito Federal: Faculdade CECAP – Curso de Pedagogia: Estágio Supervisionado II, 2012.


____, Waldicéia Moraes Teixeira. Pelo fim da opressão às mulheres nas igrejas em geral. [Blog]. Ser mulher é MUITO BOM, 1º/08/2009. Disponível em: <http://sermulher-muitobom.blogspot.com.br/>. Acesso em: 06 nov. 2017.



Pastora Wall Moraes é Professora; Co-Pastora na Igreja Cristã de Brasília (ICB); Mestranda em Educação pela Universidade Internacional Ibero-Americana (UNINI); Especialista em Coordenação Pedagógica pela Universidade de Brasília (UnB); Especialista em Administração Escolar pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO); Licenciada em Teologia pelo Instituto Cristão de Pesquisas (ICP); Licenciada em Estudos Sociais e Geografia pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB); Licenciada em Atividades pelo Colégio Estadual Cândido de Mello Leitão.



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Escrita de projeto: Débora Oliveira e Vanessa Barboza | Gestão de projeto: Débora Oliveira | Revisão de textos: Carla Ribeiro | Identidade visual e designer: Carolina Barreto | Copywriter: Rafaelle Silva | Site: Anicely Santos e Débora Oliveira | Apoio: CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço | Realização: Rede de Mulheres Negras Evangélicas






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