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A Imersão Religiosa de Negras e Negros no Protestantismo em Salvador (1872-1930)

Atualizado: 12 de jun. de 2023


A invisilidade do protagonismo do negro na história do protestantismo no Brasil deve ser objeto de estudos aprofundados, visto ser esse grupo étnico conhecido pelo seu trânsito em diversos espaços religiosos, o que não foi diferente entre os batistas. Ressaltamos aqui a importância do trazer à memória da identidade negra, dado que quando se conta a história do protestantismo no Brasil, só existe a versão contada a partir de uma história única, onde a figura principal será a do missionário branco e estrangeiro. A Igreja Batista do Garcia é o marco do início de uma teologia negra, que talvez os fundadores não tivessem denominado essa prática, uma vez que esse termo só surge décadas depois nos Estados Unidos, com o teólogo afro-estadunidense James Cone (1).


A fundação da Igreja Batista do Garcia dá-se em um contexto em que a população negra recém-liberta estava buscando seu espaço na sociedade, criando meios de afirmar sua identidade e autonomia. Analisaremos aqui o contexto socioeconômico em que os negros estavam inseridos na cidade de Salvador no início do século XX.


Aldry A. S. Castellucci (2010, p. 89) (2) descreve em seu artigo Classe e cor no Centro Operário da Bahia (1890-1930), o período em questão:


Nosso propósito é demonstrar, a partir da reconstituição do perfil social dos indivíduos que compuseram o Centro Operário da Bahia, que, diferentemente do que ocorreu em São Paulo, em Salvador, para onde não houve imigração (3) em massa, os ex-escravos e seus descendentes continuaram a ocupar posição no mercado de trabalho formal. [...] a classe operária era fundamentalmente negra e mestiça, inclusive os artesãos autônomos, sua fração mais qualificada e economicamente bem situada na hierarquia da capital baiana.


Algo peculiar nos chama atenção: os fundadores da Igreja Batista do Garcia, além de terem profissões semelhantes às descritas na citação acima, trouxeram na estrutura organizacional da referida entidade religiosa características que se assemelham ao movimento das classes operárias à época. Homens negros organizados politicamente e com senso crítico o suficiente para não quererem mais estar sob o jugo daquilo que eles perceberam nas atitudes e ações dos missionários estadunidenses, que representavam práticas do período da escravidão, visto que muitos desses membros fundadores haviam nascido no final do século XIX, alguns ainda antes da abolição da escravatura.


A seguir, aparece o Certificado de Batismo de Theodora Maria de Jesus, membro fundadora, nascida em 25 de dezembro de 1883, e batizada na Primeira Igreja Batista do Brasil, em 1907.


Certificado de Batismo de Theodora Maria de Jesus – Membro Fundadora da Igreja Batista do Garcia | Fonte: Acervo da Igreja Batista do Garcia.

A historiografia baiana relata alguns exemplos dessa diversidade quando apresenta negros católicos com suas irmandades a exemplo: São Benedito Sociedade Protetora dos Desvalidos, a Igreja de Nossa Senhora do Rosários dos Homens Pretos, e a Irmandade da Boa Morte, na cidade de Cachoeira. Filho (2008), relata que “na Bahia, várias existiram, entregues aos cuidados de negros com tais designações.” (4) Vale também ressaltar aqui, a presença de africanos mulçumanos conhecidos como Malês, responsáveis pelo levante em 1835, na cidade de Salvador, e sua contribuição na educação para a população negra. Esse grupo foi responsável por um dos levantes mais importantes realizados por negros no Brasil. Os Malês eram um conjunto de nações étnicas que viviam em Salvador: haussás, bornos, tapas e nagôs. Segundo Reis (2003, p.283), existia um pluralismo religioso no seio da população africana e afro-baiana à época da rebelião escrava.


Nesse sentido, compreender a cosmovisão desses sujeitos também nos dará pistas para análise e compreensão do porquê estes terem abraçado a nova fé protestante que chega em Salvador em 1872, com os presbiterianos e em 1882, com os batistas. Demarcar e dar visibilidade a esses personagens referenda a atuação de homens e mulheres que buscaram, no início do século XX, exercer um pastorado negro, o que seria mais dificil dentro de uma igreja reformada histórica.


Jornal O Libertador - Cabeçalho | Fonte: Acervo da Igreja Batista do Garci

Pastor Natanael e Irmã Ávila Dantas (Sua Esposa) | Fonte: Acervo da Igreja Batista do Garcia


Referências

1 - SANTOS, Joe Marçal Gonçalves dos.; ANDRADE, Charlisson Silva de. A Teologia Negra da Libertação em James Cone: aspectos de sua hermenêutica contextual a partir de "O Deus dos Oprimidos" (1975). In: Interações, Belo Horizonte, v. 13, n. 24, ago./dez. 2018, pp. 355-374. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/interacoes/article/view/18528/14232 . Acesso em: 31 de maio de 2020.

2 - CASTELLUCCI, Aldry A.S. Classe e Cor na Formação do Centro Operário da Bahia (1890-1930). In: Afro-Ásia, 41 (2010), pp. 85-131. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/21199/13784 . Acesso em: 28 de maio de 2020.

3 - Politica de imigração europeia ocorrida no final do século XIX.

4 - FILHO, Luiz Viana. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a escravidão. Salvador: EDUFBA, 2008, p. 161.



CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil – Dos Jesuítas aos Pentencostais. Viçosa: Ultimato, 2000.


CONDE, Emilio - História das Assembléias de Deus no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1982.


FILHO, Walter Fraga. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do Século XIX. Salvador: EDUFBA,1996


FREIRE. Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.


GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas.1.ed. 13. reimpr. Rio de Janeiro: LTC, 2008.


GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Editora 34, 2012.


HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015.


HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovik; Trad. Adelaine La Guardia Resende... [et al.]. 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.


SANTOS. Jocélio Teles dos. Geografia Religiosa Afro-baiana no século XIX. Revista VeraCidade –Ano IV. Nº 5- Outubro de 2009.


SILVA, Elizete da. A Missão Batista Independente: uma alternativa nacional. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador. 1983.






Glicélia Cruz é Teóloga e Historiadora; Mestra em Educação e Contemporaneidade(PPGEDUC/UNEB); Profª Especialista em História e Cultura Afrobrasileira e Indígena; Especialista em Educação de Jovens e Adultos.





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