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  • Foto do escritorNegras Evangélicas

O Brasil se Revela Mais Evangélico e Mais Violento Contra a Mulher

Atualizado: 12 de jun. de 2023


Nos anos 1990, os evangélicos representavam apenas 9% da população brasileira. No início dos anos 2000 esse percentual passou para 15,6%. E o último registro de crescimento dessa população foi divulgado, em 2020, pelo Instituto DataFolha, com uma representação em 31% dos brasileiros - cerca de 65 milhões de pessoas, sendo 58% desse total composto por mulheres.


De acordo com o Censo Brasileiro, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2010, 60% (25,3 milhões) dos evangélicos eram indivíduos pertencentes a classes econômicas mais baixas, que se vincularam às igrejas pentecostais e neopentecostais.


Nos últimos anos, o número de casos de feminicídio - casos de assassinatos em que a vítima é morta por ser mulher -, também aumentou. Em 2022, o crescimento representou 5% em comparação com 2021, apontou o levantamento do Monitor da Violência. Foram 1,4 mil mulheres mortas apenas pelo fato de serem mulheres - uma a cada 6 horas, em média. O maior número registrado no país desde que a lei de feminicídio entrou em vigor, em 2015.


Nos primeiros cinco meses de 2022, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), do então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, registrou 7.447 denúncias de estupro. Mas ainda estima-se que menos de 10% dos casos de estupro são denunciados. Ou seja, embora os dados oficiais já sejam assustadores, o problema é infinitamente mais grave.


É óbvio que não é possível, e seria leviano, fazer uma relação direta do aumento dos casos de feminicídio com o aumento do número de evangélicos. Mas, acredito ser contraditório o aumento da violência contra a mulher numa sociedade mais evangelizada, em que mais pessoas afirmam seguir o Cristo. É provável que minha crença nos princípios cristãos genuínos, ansiava presenciar um declínio natural nos índices de violência, em especial contra a mulher.


Digo isso porque nós, evangélicas e evangélicos, sempre fomos reconhecidos como o povo do acolhimento, da paz, do amor. Os que têm seus princípios baseados nos ensinamentos de Jesus, o defensor dos direitos humanos por essência - aquele que enfrentou uma cultura machista e patriarcal ao se relacionar com as mulheres respeitando-as e lhes dando o devido valor; que questionou o sistema religioso discriminatório de sua época; que pregou o amor incondicional; a justiça; e que por tudo isso foi perseguido, torturado e morto.


Somos um povo que por natureza poderia ser identificado como defensor dos direitos humanos. Basta lembrarmos de protestantes que marcaram a história da humanidade com sua luta em defesa dos direitos civis. Na história recente, podemos citar Rosa Parks e o pastor Martin Luther King, nos EUA. Além de muitas outras mulheres e homens que dedicaram suas vidas na luta pela igualdade de direitos.


Mas agora esse mesmo povo carrega o contrassenso imposto pela afirmação de professar uma fé baseada nos princípios deixados por Cristo, e disseminar o discurso violento, discriminatório. E, por isso, vem experimentando uma triste mudança na percepção social, ao dar lugar a pautas morais e de costumes, que foram e ainda são utilizadas por líderes religiosos e políticos para manutenção do poder.


Repito. Como disse, não é possível afirmar ou estabelecer uma relação direta entre o aumento da população evangélica no Brasil e o aumento nos casos de feminicídio. As pesquisas não apontam quantos dos acusados professam a fé evangélica. O que temos são dados de uma pesquisa realizada com mulheres atendidas pelo Núcleo de Defesa e Convivência da Mulher, Casa Sofia, indicando que 40% das mulheres que sofrem violência doméstica são evangélicas. Um percentual estarrecedor.


Muitas dessas mulheres se doam em missões de socorro, assistência e cuidado de pessoas em vulnerabilidade social, são fiéis no desenvolvimento das atividades da comunidade, na manutenção do local de culto e mantenedoras financeiras das igrejas e pastores. Formam redes de apoio às mães solos que necessitam de ajuda no cuidado com seus filhos. Exercem diariamente ações de proteção à vida. Mas retrocedem nas conquistas dos direitos femininos ao se submeterem a ideias e discursos que adulteram os princípios cristãos, ignorando seus direitos.


Apesar de serem acolhidas em suas comunidades de fé, a defesa do formato da família tradicional e, por exemplo, a ideia de que casamentos não podem ser desfeitos fazem as mulheres que se encontram em lares violentos não encontrarem o devido apoio em suas igrejas. De modo geral, os líderes, ao invés de as estimularem a denunciar o crime, as orientam a orar e “suportar a provação”, que passará. Como resultado, o crime é silenciado e a violência perpetuada.


Lamentavelmente, não são apenas os homens que minoram a gravidade do crime. Há também outras mulheres que se destacam por sua liderança, seja nos grupos de oração, grupo feminino, aconselhamento ou mesmo nas mídias sociais como coach cristã, que reproduzem o discurso machista silenciando a vítima em nome de uma suposta preservação da família e da felicidade.


Nem todas as igrejas e lideranças assumem essa postura. Há evangélicos e evangélicas que não se submeteram a essas imposições. Vivem o evangelho genuíno e se colocaram como denunciantes dessas falsas práticas cristãs. Mas representam um número muito menor que as milhares de igrejas plantadas em todo o país.


Por tudo isso, é urgente que todos estejam atentos às mulheres de suas comunidades. Ao observarem que uma delas desapareceu por mais de um mês (tempo em que marcas físicas desaparecem do corpo); ou que só aceita convites com o consentimento do marido; que sempre recusa visitas para oração ou culto em sua casa; não manifesta opinião ou demonstra submissão excessiva, fiquem atentos! Ofereça ajuda! A liderança deve auxiliá-la na denúncia e buscar uma rede de apoio para que ela saia do lar violento, consiga abrigo, alimenta.


É preciso que o verdadeiro evangelho volte a ocupar os púlpitos e os corações daqueles que foram tocados por seu Espírito Santo. Precisamos criar ambientes de paz, pacificar uma sociedade tomada pelo ódio ao que é diferente. Jesus ao praticar o amor se relacionou com os diferentes. Precisamos falar nas igrejas e fora dela que não vamos admitir nenhum tipo de violência. E declarar que, assim como Jesus, iremos respeitar e defender os direitos das mulheres!


“Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Por isso, permaneçam firmes e não se submetam, de novo, a jugo de escravidão.” Gl.5:1




Fernanda Fonseca é Evangélica, Jornalista, compõe a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito e o Movimento Negro Evangélico no Estado do Rio de Janeiro.





Equipe

Escrita de projeto: Débora Oliveira e Vanessa Barboza | Gestão de projeto: Débora Oliveira | Revisão de textos: Carla Ribeiro | Identidade visual e designer: Carolina Barreto | Copywriter: Rafaelle Silva | Site: Anicely Santos e Débora Oliveira | Apoio: CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço | Realização: Rede de Mulheres Negras Evangélicas




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