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  • Foto do escritorNegras Evangélicas

A viúva, o juiz e o grito por justiça

Atualizado: 20 de abr.


Gosto de pensar na literatura como uma ferramenta que colabora, muito, com possíveis interpretações para a vida. E Jesus, ao fazer uso de parábolas, utilizava com beleza este meio, para apresentar suas ideias e seus ideais. Assim, quando lemos a parábola descrita em Lucas 18,1-8 e, que algumas traduções bíblicas insistem em chamar de A parábola do Juiz Iníquo. Aqui, vamos pensar na possibilidade de intitular este texto como: O diálogo da viúva e do juiz.

Outra questão importante sobre este texto, é que ele só aparece no evangelho de Lucas, um livro que se dedica a apresentar a salvação e a libertação, que há no movimento de Jesus. Uma proposta de salvação inclusiva, que promove vida por onde passa. Por isso, o livro se estende até Atos dos apóstolos, onde se vê que este movimento de libertação, tem sequência nas primeiras comunidades de fé, nas quais, pelo agir de Ruah, é possível verificar que o plano de: libertar, amar e esperançar - ainda se faz presente e alimenta a nossa fé, atualmente. Vejamos alguns detalhes deste texto:

Uma viúva insistente:

Não temos muitas informações concretas sobre esta mulher que se destaca como protagonista desta história: ele não tem nome, nem uma etnia e nem muitas falas, mas, as poucas características presentes no texto, já nos faz traçar um perfil para a mesma: era viúva, morava naquela região, estava sofrendo e era extremamente insistente. Numa releitura para os dias atuais, alguns diriam que esta viúva é uma guerreira; uma mulher forte, determinada; outros, talvez, olhariam para ela e diriam: é uma surtada, uma louca que se expõem publicamente; barraqueira; coitada. Rótulos utilizados para marcar e, e vez por outra inferiorizar, aquelas que lutam por dignidade, justiça e sobrevivência.


Naquele período, as viúvas faziam parte do grupo marginalizado pela sociedade. Nas palavras de Elza Tamez (p.208) - elas, ao lado dos órfãos, compõem os representantes, por excelência, dos mais pobres e oprimidos. Visto que em uma sociedade patriarcal, mulheres e crianças só sobreviveriam com o apoio e amparo de uma figura masculina, ligada ao seu núcleo familiar: pai, esposo ou filho.


Outro fator importante e que precisa ser destacado é que nesta sociedade, como a perspectiva de vida era muito baixa, as mulheres se casavam muito cedo: possivelmente com 12 anos, e não por amor, ou por escolha, mas pelos combinados e negociações familiares. Neste período a mulher estava submetida à opressão e a exploração, pois, ela era tratada como mercadoria, uma pessoa totalmente sem voz mediante ao patriarcalismo (LIMA, 2018, p.35). Quando estes morriam, ela então ficava à mercê da família do falecido, que deveria, então, garantir o seu sustento.

Hoje, em nossa sociedade este não é, ou não deveria ser um problema. Mas, acontece que ainda há muitas mulheres vivendo neste tipo de sistema: são vistas como propriedade de seus maridos, foram educadas para serem dependentes dos mesmos, não podem assumir a responsabilidades de suas próprias vidas, porque estão sobre ameaça, ou porque foram educadas para depender deste homem, que dentro da nossa estrutura social, ainda muito patriarcal, diz que ele deve ser o provedor, o protetor e o “chefe” das casas. O problema é quando estas mulheres se percebem assim: injustiçadas, desamparadas e violentadas. A quem elas irão recorrer? Quem há de ajudá-las, diante desta dificuldade? Ou o que fazer, quando é preciso mudar, mas parece que o outro insiste em não nos ouvir?

E esta viúva nos ensina que: quando temos uma causa que nos incomoda, é necessário levá-la adiante, persistindo, até que se consiga uma resposta que mude o quadro.


Que a justiça seja a nosso favor...


Durante toda esta história há apenas uma frase, que sai da boca desta mulher: "Faz-me justiça contra o meu adversário!” E esta foi uma cena que, segundo a parábola, se repetiu por muitas vezes: “Faz-me justiça!” - dizia a viúva. E é justamente esta frase que seguimos dizendo nos tempos atuais. Este é o grito de mais de 18 milhões de mulheres, que sofreram violência em nosso país, no ano de 2022. É o grito das mulheres, que ganham em média 20,5% menos que os homens, no Brasil. Ainda que tenham a mesma formação, e/ou ocupem os mesmos cargos que eles. E isso também acontece em outros países.


“Faz-me justiça!” – Dizem as mulheres negras, que sofrem violências obstétricas, com manobras desnecessárias para acelerar o trabalho de parto. Por que na mentalidade escravagista de nosso país, estas ainda são vistas como “boas parideiras, fortes e resistentes à dor!"

Faz-me justiça” – gritam as mulheres diante do alto índice de feminicídio em nosso país e no mundo. Nos matam pelo simples fato de sermos mulheres; nos matam porque nos observam como propriedade; porque não admitem e nem respeitam o nosso direito de ir e vir; nos matam, porque são tóxicos e desumanos; e porque não nos respeitam e nem tampouco, admitem a possibilidade de que nós, também refletimos a face divina e criadora de Deus.


Faz-me justiça! Grita a viúva e gritam as mulheres nas ruas, em atos espalhados mundialmente, seja na marcha de 8 de março ou em tantas outras datas em que nos mobilizamos, para clamar por justiça e por vida abundante; E é isto que Ruah espera que façamos: se há algo que lhe incomoda, insista na busca por mudanças. Seja insistente ao ponto de causar incômodo. Não importa qual é a fama que isto irá lhe render: chata? Irritante? Importuna? Não importa! O que vale é alcançar os resultados pelas nossas lutas diárias, sejam elas de cunho coletivo ou individual! O que importa são as mudanças e conquistas que tais atos representam.


Concluindo:


Que a exemplo daquela viúva, nós sejamos atuantes e persistentes, não só em nossas orações, mas também em nossas ações. Tendo fé de que o sagrado promove justiça, e que Ruah sempre ouve o clamor de seus filhos e filhas, mas, é necessário que saibamos usar do bom senso e da inteligência para enfrentar o patriarcado com coragem e esperança, tal como fez esta viúva.


Nosso desafio diante desta parábola é assumir este compromisso: orar, agir e persistir, tal como a viúva. Clamemos! Vamos para as ruas! Gritemos: “Julgue a minha causa! Julgue a nossa causa!” – “Faz-me justiça!” – “Faça-nos justica!" No mais, o importante é lembrar que Ruah sempre estará conosco, nos movendo na busca por justiça. Não nos calemos e sigamos juntas, nesta grande marcha pela vida!




Referências

Dossiê Mulheres Negras e Justiça Reprodutiva (Criola, 2020/21); Instituto Criola. Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/dados-e-fontes/pesquisa/dossie-mulheresnegustica-reprodutiva-criola-2020-2021/ Acesso em 22/03/2023.


LIMA, Soelma Costa da Fonseca. Representações da Mulher no Cristianismo Antigo: para uma tipologia do feminino na Antiguidade numa perspectiva comparada. 2019. Tese de Doutorado. 00500:: Universidade de Coimbra.


TAMEZ, Elsa et al. O ministério para as viúvas e das viúvas em 1 Timóteo 5, 3-16. Ribla, n. 66, p. 207-216.






Lídia Lima é Teóloga feminista negra! Mãe, educadora e escritora. Mestre em Ciências da Religião. Atualmente trabalhando com Educação popular em Direitos Humanos e Ecumenismo e Direitos Humanos.






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Escrita de projeto: Débora Oliveira e Vanessa Barboza | Gestão de projeto: Débora Oliveira | Revisão de textos: Carla Ribeiro | Identidade visual e designer: Carolina Barreto | Copywriter: Rafaelle Silva | Site: Anicely Santos e Débora Oliveira | Apoio: CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço | Realização: Rede de Mulheres Negras Evangélicas


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